Tuesday, October 02, 2007

Espaço estranho às escuras

Subo a escada. É estreita e íngreme, e debaixo dos meus passos, range aquele ranger da madeira que não é pisada todos os dias. Ao cimo, estaco. Tento chegar a uma parede para ligar a luz, mas não consigo alcançar nada. A escuridão é absoluta. Lá fora, a Lua já vai alta, por isso o quarto não deve ter janelas. Devia ter pedido uma lanterna. Não conheço o espaço e não vejo nada. Bonito. Tenho de ir devagar. Com os braços esticados, em pouco mais de dois passos, chego a uma parede. Finalmente, um interruptor. Para cima, para baixo, não resulta. A lâmpada deve estar fundida. Sente-se o cheirinho a novo, a acabado de limpar. A tia deve ter estado a fazer a limpeza durante a tarde e não reparou que não havia luz. Mas se não reparou, é porque deve haver uma janela, que senão não conseguia ver nada. Então porque é que Eu não vejo nada? Hoje não é noite de Lua nova... Deve haver algum cortinado, ou uma portada a tapar a entrada de luz. Porque é que se chama portada? Devia ser janelada, não? Não soa tão bem, mas faz mais sentido... Hum... Bem, considerações metafísicas para quando estiver na cama sem conseguir adormecer. Por agora é melhor encontrar esse futuro local de meditação antes de cair e partir o pescoço. Esquerda, direita? Esquerda. Chego logo ao canto. Se abrir os braços, de um lado toco na parede da esquerda, e do outro, tenho a mão na guarda da escada. Continuo a andar, contornando o quarto devagarinho. Logo à frente, enconstada à parede, uma arca. Au, au, ai, ai, ai. Se fosse um móvel alto tinha dado por isso, mas assim, bati mesmo com a perna na esquina. Logo acima do joelho. Bolas. Agora para além de cegueta, fico coxa também. Devia ter ido pelo outro lado. Até porque, exacto, basta andar mais um bocadinho e já o tecto se aproxima de mim. Águas furtadas. Devia-me ter lembrado que para este lado, com a inclinação do telhado, e a área roubada pela escada, não havia espaço suficiente para por uma cama. Ai, parvoíce de itinerário e ameaça à integridade física, tudo num só. Vá lá, ao menos dá para passar para o resto do quarto, já posso contornar a escada. Quatro ou cinco passos curtos para evitar futuros encontros imediatos com peças de mobília, quase escorrego num tapete no chão ou qualquer coisa mais alta e macia, não percebo bem, e encontro a janela. Numa zona que avança para o exterior, cria-se um recanto direito, que deixa estar à janela, sem bater com a cabeça no tecto. Óptimo para estar a ler suponho, mas não durante a noite. Enquanto passo pela janela, bastante larga até, percebo a razão da escuridão. A noite é nublada, e a Lua estava escondida atrás de uma nuvem particularmente grande. Com os meus olhos a habituar-se à falta de luz, e com o luar finalmente a começar a sair, torna-se muito mais fácil ver o resto da disposição do quarto. Mesmo atrás de mim, tenho a grande cama, mesmo convidativa e fofa, virada para o exterior. Apresso-me a saltar para lá antes de mais uma cena de violência doméstica. Deitada, olho para cima e vejo que na zona mais alta, o pé direito do quarto é bastante considerável. À minha direita, em cima do tal tapete, uma poltrona de baloiço e umas quantas almofadas grandes espalhadas pelo chão convidam a tardes de leituras com fundo de música. Uma das almofadas deve ter sido a tal em que eu ía escorregando, já que foi parar ao outro lado do quarto. Do lado esquerdo da cama, esbarrou contra uma cómoda e aí ficou. Ao lado um armário alto de ar antigo tem todo o ar de estar recheado de roupas da minha bisavó ou assim, óptimo para ir bisbilhotar. No canto mais à esquerda, uma fina escada em ferro, sobe estonteantemente em caracol. Não consigo vislumbrar bem o final, mas deve dar acesso ao telhado através de um alçapão ou assim. Perfeito para ir explorar amanhã de manhã bem cedinho. Vão ser umas belas férias...

4 Alvitres:

às 5:09 PM, Blogger J. Chora alvitrou...

Excepcional. Sabendo as circunstâncias, só espero que a minha persistência em saber se estava já feito tenha ajudado e inspirado.
Um grande beijo

 
às 1:23 AM, Anonymous Anonymous alvitrou...

parece que afinal devias ter escolhido projecto indesenhável... talvez não.
agora a sério, gosto mesmo deste texto. é quase como se estivesse lá dentro...

 
às 10:02 PM, Anonymous Anonymous alvitrou...

inês,
queria dizer-te que considerei bastante, leio o texto ou não? É tão grande e a arquitectura faz com que me sinta sempre atrasado, com trabalho acumulado e sem tempo para nada. No entanto, pensei, é da inês, é bom de certeza e... AINDA BEM QUE LI! Não demorou nada, porque era empolgante e porque me criou imensa espectativa e curiosidade! Gostei imenso, a descrição está feita tal e qual como se fosses tu a contar oralmente e fez-me lembrar imenso a casa da minha tia-avó! lol
Obrigado por este momento!
beijinho do francisco

 
às 9:59 PM, Blogger Margarida alvitrou...

oh gostei tanto...agora queria saber o resto da historia!!! =P bjo*

 

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